sexta-feira, 26 de agosto de 2011

QUANDO A DEMOCRACIA MOSTRA-SE “ANTIDEMOCRÁTICA”

Vejamos o problema do voto da maioria. Adorno 1998 apud (Souza 2009) diz que ao pautar o processo de gestão a partir sempre da lógica da maioria, corre-se o risco de padronizar as tomadas de decisão em procedimentos que podem ser mais expressão da violência do que da democracia, uma vez que a maioria, mesmo que fluida, quando ciente do controle que possui sobre as decisões, dificilmente abre mão de suas posições, mesmo tendo frágeis argumentos para mantê-las. Em momento seguinte Habermas 1990 afirma que a única forma de obter um processo democrático é através da ação do diálogo.

Nesse contexto, com muita tristeza, tive o desprazer de presenciar uma votação sobre a SEMANA DA QUÍMICA UFF-2011.

Foi possível perceber que como professores, dentro do âmbito universitário, temos ótimos burocratas, que não conhecem nada além do conteúdo. Além de haver um esquecimento provocado pelo concurso público, no qual muitos esquecem que foram estudantes, muitos esquecem como aprenderam, e muitos esquecem o que é ser uma pessoa humana. Tudo a favor de um conteúdo.

Caros professores, sinto-lhes informar que o aluno que está escrevendo esse texto possui C.R acima de 8 e tem moral pra dizer que estudou muito nessa faculdade e os conteúdos são secundários. Tanto professor deixa de dar aula porque vai pra congresso, tanto professor fica falando baboseira da vida pessoal em sala de aula, tanto professor acaba a aula mais cedo ou termina mais tarde por motivos pessoais, e agora eles dizem EM UNISSONO que não podem deixar de dar aula porque tem um conteúdo mínimo a seguir?

Eu não me lembro nem de 10% do que vocês deram em sala, e tenho certeza que nenhum dos outros estudantes lembram, e nem vocês lembram de muita coisa que estudaram na faculdade fora da suas áreas de especialização. Porém, eu lembro de quanto cresci a cada evento que participei, a cada curso que fiz, e em cada debate que tive com professores em espaços que não sejam considerados formais.

Acho que as práticas precisam ser revistas, estamos ensinando muito conteúdo, mas não estamos ensinado a pensar.

Pra finalizar fica um trecho de um artigo que eu li a pouco tempo.

“Aqui, cabe levar em conta as considerações da entrevista do físico alemão Andreas Schleicher, responsável pela aplicação da prova do PISA (Programa Internacional de Aferição do conhecimento de Estudantes pela OCDE):

Os brasileiros apareceram, mais uma vez, entre os piores estudantes do mundo nos últimos rankings de ensino da OCDE. O que o senhor descobriu ao analisar as provas desses estudantes?

Elas não deixam dúvida quanto ao tipo de aluno que o Brasil forma hoje em escolas públicas e Particulares. São estudantes que demonstram certa habilidade para decorar a matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o

mundo real. Esse é um diagnóstico grave. Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática. Enquanto o Brasil foca no irrelevante, os países que oferecem bom ensino já entenderam que uma sociedade moderna precisa contar com pessoas de mente mais flexível. Elas devem ser capazes de raciocinar sobre questões das quais jamais ouviram falar – no exato instante em que se apresentam.(Revista VEJA, 02/ago/2008)."

Retomando a questão da gestão democrática, apesar dos fortes argumentos da comissão organizadora e do nosso coordenador de curso, mais uma vez venceu a maioria. Conteudista e imbecilizante. Depois me perguntam mesmo por que eu consigo ir tão bem nas matérias mas perdi a paixão pela química!

Muito conteúdo e pouca relação, muita burocracia e pouca paixão.

Assim deixo meu muito obrigado à maioria sensata que votou pelo não cancelamento das aulas durante a semana da Química da UFF, ficamos gratos por mais uma semana de conteúdo e menos uma semana de experiências.

Um comentário:

Edwi Feitoza disse...

Atuo na área de TI e noto o mesmo problema reclamado por ti neste texto. Muita preocupação com conteúdo e sem foco na capacidade de pensar. Os atuais gestores de TI eram formandos no início da década passada. E lá as faculdades (não que isso tenha mudado muito, mas...) não ensinavam conceitos e metodologias. Ensinavam "aquilo que o mercado pedia". Logo não havia disciplinas de Sistemas Gerenciadores de Banco de Dados. Havia disciplina (se é que se pode chamar assim) de MS-SQL Server. Não havia matérias de Sistemas Operacionais. Havia matéria de Windows NT. Pois bem. A evolução na tecnologia naturalmente veio. Com ela novas metodologias, sistemas, produtos e softwares, mais inovadores, seguros, acessíveis, baratos e livres. Mas os gestores, formados em produtos, não em conceitos, recusaram todos por medo do diferente, do desafiador. O resultado é que ficamos muito atrasados e deixamos de produzir qualidade com nosso próprio conhecimento. Compramos inteligência importada. Só agora temos claros sinais de mudança (como o protocolo do Governo Federal em utilizar tecnologias livres de origem e inteligência nacional). Espero que este esforço, ainda que tardio, ocorra também no meio acadêmico. A idéia de uma ciência tropical proposta por Nicolelis muito me agrada. Quem sabe isso deixe de ser um sonho! Grande abraço e parabéns pelo texto.